CARTA ABERTA À COMUNIDADE da Profª Lilian Silva Catenacci / Ufpi


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CARTA ABERTA À COMUNIDADE 

Caro Sr Geraldo Luis Lino,

Sou professora e pesquisadora da Universidade Federal do Piauí e acabo de ouvir sua palestra no Piauí Agroshow, em Bom Jesus, PI, sobre ambientalismo e a crise global. Sou diretora da Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens e trabalho com manejo de animais silvestres e medicina da conservação há anos e acredito que esta experiência me acumule subsídios para continuar com a discussão, mesmo no seu blog ou em outros meios de comunicação. Lamento muito não ter tido tempo e espaço no evento para perguntas e,  por isso, resolvi postar minhas reflexões e questionamento aqui.

1º: Parabenizo a comissão organizadora do Piaui Agroshow por colocar essas palestras, incluindo o alto nível das mesmas. Também acho que devemos ser soberano em relação aos países "de primeiro mundo" e às multinacionais;

2º:  Porém, acredito que seja fundamental que o senhor se atente as generalizações. As “grande Ongs”, como o senhor se referiu, possuem extremos que desagradam muitas pessoas; mas muitas destas Ongs tem algo de fundamental importância: um seleto grupo de pesquisadores. A IUCN, por exemplo, é a ONG responsável por organizar a red list (lista dos animais ameaçados de extinção), utilizada por muitas outras instituições e academias de referência. A lista do IBAMA, por exemplo, também utiliza critérios dela como base, além de consultar pesquisadores (como eu fui consultada) para atualizar a lista brasileira de espécies ameaçadas de extinção. E isto é louvável e também  deveria ser comentado. 

3º: Já existe sim preocupações de diversas grandes Ongs com questões relacionadas ao saneamento básico. Concordo que isto deva crescer muito ainda e também se tornar o centro das atenções em muitos outros fóruns, mas ações por conta do terceiro setor já existem. Uma delas é o Programa "Um mundo, uma sáude (One world, one health"), organizado aqui no Brasil pela Wildlife Conservation Society. Conheço pessoalmente os pesquisadores responsáveis latino-americanos por selecionar os projetos e avaliar o programa e  sei o quão tem sido o esforço para abordar estes temas de maneira idônea. 

4º: As empresas e bancos, de uma maneira geral, não ajudam as "grandes Ongs" só porque não querem encrencas ou aborrecimentos. Como colocado pelo Deputado Federal também  durante a mesa redonda, existem diversos incentivos fiscais e também compensações ambientais que as obrigam a ser amiga da natureza simplesmente para  poder continuar exercendo as  atividades. Isso também poderia ser dito em suas apresentações.

5º Aquecimento do Planeta: Fantástico o alto nível das discussões; principalmente por que o senhor sempre estava pautado por resultado de pesquisas científicas. O que eu sinceramente não entendo é porque não usar os resultados destas pesquisas para focar ou exigir ações específicas? Global ou Local, é fato que mudanças climáticas estão ocorrendo e que, como o senhor mesmo provou, o aquecimento local está sendo influenciado sim por ações humanas. Para quê continuar focando toda sua apresentação em "o aquecimento não é global??" . Se o senhor me permite uma sugestão, eu a alteraria para "O aquecimento não é global, mas ele existe localmente. O que fazer para mudar isso?"... acredito  que as discussões seriam mais produtivas e poderiam gerar ações práticas e até políticas públicas...

6º:  Reflexões: o planeta não é só nosso e quando nos referimos ao meio ambiente temos sempre que levar em consideração o conceito de interações ecológicas. A floresta está lá porque os animais silvestres também continuam lá e porque há água, solo, temperatura e umidade que permite que ela continua existindo. Quer um exemplo? Por que temos aumento das pragas agrícolas? Porque, dentre outros fatores, um dos mais importantes, é que naquele ambiente provavelmente temos um desequilíbrio ecológico e há muitas pesquisas BRASILEIRAS que comprovam isso. Vale lembrar da cadeia trófica e, simplificadamente, da cadeia alimentar: se os animais de topo de cadeia (onças, por exemplo) não estão mais na floresta porque não há mais floresta ou porque a mesma não comporta este predador, em pouco tempo as espécies generalistas  (presas da onça) se reproduzirão muito... e  como não há mais o predador natural teremos como resultado o prejuízo para lavoura. Óbvio que as empresas que mantêm defensivos agrícolas e inseticidas são, em sua maioria, multinacionais e que também ganham com isso... Mas o cerne das discussões tem que ser mais do que só isso,o senhor não acha?
Além das pragas agrícolas, nós temos,  nos últimos anos, o aumento do aparecimento de novas doenças("emergentes") na população humana,e também o reaparecimento de doenças antigas (re-emergentes). E por quê? Novamente diversas pesquisas brasileiras demonstram que poluição, desmatamento e avanço nas alterações abióticas fazem com que haja um "boom" de enfermidades nas populações humanas e de animais domésticos. Sem a manutenção das florestas originais, não há mais tantos reservatórios silvestres e os patógenos, portanto, podem procurar outros hospedeiros, como os seres humanos. Observe  e leia mais sobre as enfermidades virais... O senhor verá que as ações antrópicas estão auxiliando em muito surtos e epidemias para nossa própria sociedade.

7º: outra reflexão: Por lei, temos que respeitar todos os seres vivos. Se aquecermos somente 2ºC um local onde há desova de tartarugas, já poderemos influenciar na proporção sexual desta população. Nós temos o direito de fazer isso? 

8º: Quem sofre com tudo isso? A população humana também: com as mudanças climáticas - e aqui particularmente me refiro ao aquecimento-  os vetores de muitas doenças (pernilongos, moscas e insetos de uma maneira geral)se proliferam com maior facilidade. E quem "paga o pato"? Nós mesmos, através do aumento de casos de dengue, leishmaniose e etc.

9º: Realizar projeções a curto, médio e longo prazo: até me espanta um pesquisador dizer que isto não é importante! O mundo necessita de projeções para se planejar. Quantos idosos teremos em 2052? Qual a previsão de desmatamento, se continuarmos no mesmo ritmo?? Quanto o governo precisa arrecadar para ter $$ para manter a previdência e etc??

10º: Questão conceitual: Silvicultura não é floresta; é cultivo de espécies florestais, que pode ser plantado no modelo de monocultura (por exemplo, de eucalipto) ou sistemas agroflorestais.

11º: O senhor mostra indignado um fazendeiro que foi multado em R$52 milhões de reais por realizar desmatamento ilegal. Êpa, lei é lei! Se o fazendeiro errou, deve arcar com as consequências e pagar a multa. Se a sociedade não concorda, tem que se articular para mudar a lei; mas o que não podemos fazer é deixar de cumprir a lei. Não pode existir "um peso, duas medidas", na minha opinião.

12º Cuidado novamente com as generalizações: Você conhece este fazendeiro? Você colocaria  “mão no fogo” por ele? É como se eu dissesse que, como trabalho com agricultor familiar, considero os latifundiários responsáveis pela desigualdade de renda no Brasil. Eu não digo isso; o "buraco é muito mais embaixo". Muitas coisas devem ser levadas em considerações. Atente-se a isso!

13º Finalizando, digo que o senhor começou uma discussão linda ENFATIZANDO QUE NÃO HÁ FALTA DE ALIMENTO NO PLANETA E QUE PRODUZIMOS O SUFICIENTE. Quando o senhor afirma que o que falta é vergonha, que tal continuar esta discussão e não deixá-la no ar?? E aí questiono: falta de vergonha de quem? Dos políticos? Quem vota neles? Quem se manifesta a favor ou ao contrário deles? Por que temos os piores índices de desenvolvimento humano (IDHAD)? Os resultados das pesquisas já comprovam: o problema está na desigualdade de renda, seguida de pouquíssimos investimentos na educação. Não adianta só o nosso PIB crescer  e menos de 5% ser investido na educação! Toda a sociedade brasileira precisa usufruir disso.

Espero ter engrandecido as discussões com o meus singelos comentários e reflexões.
Abraços

Profª Lilian Silva Catenacci
UFPI/CPCE, 14/06/2012

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